domingo, 6 de junho de 2010

Vai dar m...?

Eis que chego ao trabalho num dia calmo e me chega até a mesa alguém com o seguinte discurso: "Tá entrando aí um projeto de manutenção, com prazo curtíssimo e que não pode atrasar. Ah, e você vai responder diretamente ao dono da empresa por ele, aproveita a oportunidade, hein!".
O que foi dito mesmo? Eu ouvi algo do tipo: "Deixamos nosso cliente definir nosso processo, e o dono da empresa quer acompanhar de perto porque não confia em ninguém e tá cagando de medo do cliente".
Ah, depois veio mais um parêntesis: "Cobramos taxa de urgência do cliente, portanto não podemos dar mancada". Entenda-se: "Usamos a situação pra ganhar um pouco mais, e arriscamos mais ainda nossa reputação, que, diga-se de passagem, tá na sua mão!".
Algumas reflexões sobre o contexto:

1 - Coragem ou medo?
Todo um relacionamento com o maior cliente da agência está agora nas mãos de um ou dois funcionários com pouco mais de um mês na empresa.
No mundo perfeito as pessoas são honestas, aceitam o fato de que imprevistos existem e não aceitam trabalhar sem margens pra imprevistos.
No mundo real o dono da empresa aceita o prazo do cliente, o comercial aceita, o meu chefe aceita e eu aceito, porque nessa cadeia, quem não aceitar está contra o cliente.
Isso é coragem para encarar de frente o trabalho e os imprevistos por amor ao cliente ou medo de dizer não a um cliente mimado?

2 - Companheirismo ou egoísmo?
Todos os envolvidos no projeto estão online nesse momento. Todos mesmo, até o dono da empresa que você nunca havia visto pessoalmente agora sabe seu nome e responde a seus e-mails. E daí pra baixo o cuidado é o mesmo. Pessoas ficam até mais tarde, pagam meu taxi, meu jantar, se preocupam em me dar condições de trabalho, manter meu pc funcionando, a rede funcionando.
No mundo perfeito esse é o dia a dia, o funcionário é suprido em suas necessidades, é ouvido e até respondido.
No mundo real, finja que tudo é para o seu bem, que a preocupação é por você, e aproveite pra jantar algo mais caro, andar de taxi e até ouvir elogios. Vai passar mais rápido do que você imagina.
Isso é companheirismo, respeito, encarar o funcionário como alguém que está no mesmo barco e pode ajudar a não afundar ou apenas o egoísmo de procurar ser perfeito quando os holofotes estão em você pra não ser culpado depois?

3 - Organização ou bagunça?
Nesse momento você decide o que está na sua alçada, seu chefe decide o que está na alçada dele, o dono da empresa ouve tudo e só mete o pitaco onde ele pode ajudar. Aliás, você decide até o que não é da sua alçada, você está lá até mais tarde, decide como fazer o que os outros deviam ter feito, e do jeito que você fizer, tá bom, afinal, 'confiam no seu trabalho'. Esse é o mundo perfeito, fruto do mundo real. Olha só, os dois se encontraram!
A empresa é organizada o bastante pra que cada um confie no trabalho do outro, ou é bagunçada o bastante pra que cada um decida o que é seu trabalho e faça o projeto sair de qualquer jeito?

Bom, essa história devia terminar com: "Deu tudo errado, a empresa perdeu o cliente, demitiu metade da equipe e reestruturou todo processo". Ás vezes até torcemos pra que isso aconteça. Mas não, não vai acontecer.
No final vão surgir concessões, você vai passar menos tempo dormindo, vai fazer um favorzão ao seu chefe, a empresa vai manter o cliente e todos teremos no ar mais um projeto sem metade da qualidade devida. A empresa estará feliz com o "sucesso" e pronta pra repetir o feito nos próximos.

Você tem total direito de ser ouvido, menos antes, durante ou depois um projeto como esse. Antes dele a empresa tem total controle sobre os processos, durante, não é hora de falar sobre isso, e depois, já deu certo, pra que levantar polêmica agora.